ESCOLA DE PAIS: I CONGRESSO BRASILEIRO DE PEDAGOGIA SISTÊMICA

Escrito por Ana Lucia Braga

Seg, 23 de Fevereiro de 2015 11:07h.

 

ESCOLA DE PAIS

Escola x Família: Esta é uma relação possível?

 

O tema de minha palestra é uma questão: Escola x Família: Esta é uma relação possível?

Inicio, pois, respondendo afirmativamente à pergunta. Ou seja, é possível que haja uma relação entre escola e família, e uma boa relação. Tanto em escolas particulares como em públicas. Porém, devo dizer também, que isso não é fácil em nossa realidade educacional, especialmente porque essa questão jamais foi colocada como prioridade.

Temos uma cultura de participação de pais em festas comemorativas do calendário escolar, durante o ano letivo; nas Associações de Pais e Mestres para arrecadação de fundos para a escola (e isso ainda existe) e, claro, em reuniões onde os professores fazem as habituais“queixas” dos filhos, passam as notas e informações gerais sobre a dinâmica do bimestre ou do semestre.

Esta tem sido nossa cultura de relacionamento escola x família, de um modo geral.

No entanto, tudo começa com a família. Ela tem um papel crucial na educação e poderia ser uma alavanca de desenvolvimento dos alunos.

A Educação Sistêmica parte do princípio de redes, redes de conexão. A escola é a base do sistema que contém muitos subsistemas. Todos envolvidos, implicados entre si: escola, diretores, secretarias, professores, merendeiras, família, alunos, profissionais que atuam com alunos (no caso de alunos portadores de necessidades especiais e de dificuldades de aprendizagem). Todos estão em uma relação consciente ou inconsciente, de corresponsabilidade. Isso envolve recursos, ensino, aprendizagem, relações e tudo o mais que ocorre dentro da escola.

É claro, a escola precisa desenvolver um novo olhar, um olhar sistêmico. Em alguns casos, é o repensar sobre as visões de mundo, de homem, de sociedade, de escola, de cultura, de professor, de aluno, de aprendizagem, de ensino, de família.

Historicamente sabemos que é possível a relação escola x família. Lembro da experiência de Reggio Emilia, na Itália do pós II Guerra, como mães se organizaram para criar a escola que queriam para seus filhos. E lá já se falava em inteligências múltiplas, com as cem linguagens, tema tão atual em nossos dias. A educação lá parte do pressuposto de que os adultos têm grande tarefa na escola, de escuta, do reconhecimento de potencialidades múltiplas do aluno enquanto ser individual e muitas práticas que são modelos de boas práticas pedagógicas, sob o meu ponto de vista.

Em Reggio Emilia os pais são convidados a participar de todos os processos da escola, participam das tomadas de decisão. Não são chamados para ouvir reclamações, mas para ajudar a resolver os problemas.

Com o envolvimento das famílias, existe a possibilidade de melhora da qualidade do serviço educacional prestado, do atendimento, inclusive, às necessidades sociais, tanto das famílias, quanto da própria comunidade. Há o encontro do diferente, o que não é fácil de administrar.

Mas é a partir dele que se cresce, se desenvolve. É a partir do intercâmbio de ideias, de projetos, de expectativas, que pode surgir novos modos de fazer, novos modos de educar. Para tanto a família deve ser vista como parceira, não como ameaça.

Vivenciei outras experiências em minha vida com essa relação íntima acontecendo, no início de minha vida como profissional da educação no Rio de Janeiro, em escola de Educação Infantil, em escola experimental de favela (hoje chamada comunidade), com a metodologia de Paulo Freire.

E também em Ribeirão Preto, tive a oportunidade de, na época em que estive no Hospital das Clínicas, no curso de Psicopedagogia, conhecer a dinâmica da Creche da Carochinha, creche da USP, com o trabalho que desenvolvia naquela época (1988) e da creche dos trabalhadores da área de Saúde do Estado, com a participação intensiva dos pais na escola.

De acordo com os quatro pilares da educação propostos pela UNESCO, é possível desenvolver um grande trabalho com as famílias. Os pilares são: aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Atualmente, em nossas Leis Educacionais, inclusive no site do MEC, temos um grande incentivo com relação ao trabalho com famílias.

Mas, como dizia Anísio Teixeira nos idos de 1940, o que ainda vale em 2014, vivemos, no Brasil um conflito entre Valores Proclamados x Valores Reais. Temos leis maravilhosas, mas práticas nada parecidas com maravilhosas. Como sugestões governamentais, temos a Escola da Família, mais antiga, o Blog da Mobilização, como um convite à comunidade para se organizar para participar da vida escolar dos filhos. Temos uma Cartilha bem interessante, com conteúdo sobre como acompanhar a vida escolar dos filhos. São dicas e orientações bastante interessantes.

A cartilha fala de como participar da vida escolar dos filhos, dá dicas de “como os pais podem ajudar os filhos em casa, de como saber se a escola esta ensinando, sobre o que uma escola deve oferecer, sobre o que se deve cobrar de uma escola pública”, por exemplo.

Temos, portanto, em nossas Leis, a autorização máxima para desenvolver, em cada escola brasileira essa relação.

Tudo começa na família.

E essa parceria possibilitaria, ainda mais, o desenvolvimento de diferentes recursos sistêmicos para intervir nos problemas educacionais, sociais, educacionais e de comunicação que ocorrem entre educadores, professores, gestores, pais, assistentes sociais, outros elementos que atuam na escola ou na instituição educacional.

As lealdades sistêmicas, por exemplo, muitas vezes, são “as responsáveis” pelas dificuldades de aprendizagem de um aluno. Se o professor considera essa conexão com a ancestralidade, por amor, ele pode passar a usa-la a favor de seu trabalho e do aluno: do ensino e da aprendizagem. Devemos lembrar que Os distúrbios de aprendizagem devem ser vistos como um sintoma, uma manifestação de comportamento muitas vezes oculto que ao serem analisados, podem ser encarados como sinalização (Alícia Fernandez, 1990).

Os pais e os avós tem um grande potencial para ensinar. Eles são a história viva da comunidade, até mesmo do país. Cada pai e mãe têm uma profissão. Cada um dos pais tem um tipo de inteligência mais desenvolvido. Portanto, o objetivo principal de ter uma relação presente com a família, é o desenvolvimento da própria escola, é melhorar a qualidade da educação praticada em nossas escolas.

Incluir os pais e os avós no dia a dia da escola pode significar o auxílio dos ancestrais, o DNA da família sendo acessado conscientemente, o resgate da história familiar conectado com as atividades da escola. Como dizia George Saintayna, em 1905, "aqueles que não podem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo". Isso é tão importante que foi repetido por Che Guevara há mais de 50 anos,

“Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. E tantos outros repetiram. Atualmente, na Pedagogia Sistêmica, continuamos utilizando essa máxima. Maita Cordero Ayuso, em seu livro Manual Prático de Pedagogia Sistêmica (CUDEC-México),de 2012, diz literalmente:Quem não conhece a sua história está condenado a  repeti-la”.

O que fazer na escola para chamar os pais?

Primeiramente, ter respeito por eles e por suas realidades.

Existem muitos tipos de família e diferentes tipos de agregados familiares. Temos, por exemplo, a família tradicional, pais solteiros, a homoafetiva, a família reconstruída.

Seguem algumas definições de tipos de família:

  • MATRIMONIAL – é aquela onde há um casamento de papel passado, legal. UNIÃO ESTÁVEL – casais que vivem juntos, sem assinar o papel, provavelmente não pretendem “se casar”.
  • CONCUBINÁRIA – casais que, provavelmente, pretendem “se casar”. MONOPARENTAL – pai ou mãe criam o filho sozinho.
  • INTERSEXUAL – composta por transexuais.
  • HOMOAFETIVA – composta por casais do mesmo sexo.
  • UNILINEAR – mulheres que tiveram filhos por inseminação artificial, sem saber, muitas vezes, quem é o pai.
  • MOSAICO ou MISTA – composta por casais separados, que vivem juntos com filhos de relacionamentos anteriores.

(Excerto de texto de Ana Lucia Braga, publicado na Revista UNISAUDE, de Ribeirão Preto – SP, em dezembro de 2011).

Repito, o respeito à família e à realidade do aluno é o princípio básico do trabalho com pais.

A mudança de olhar do professor e da escola como uma necessidade: os pais fazem parte da sala de aula primeiramente por não ser possível dissociar filhos de pais. Eles estão presentes na lealdade, na vida da criança como um todo, em todas as suas células.

A Entrevista Sistêmica no início do ano letivo e o uso da mesma em reuniões mensais é uma ferramenta que proponho. É uma forma de se ter informações sobre o aluno, identificando-o inicialmente, como membro de uma família, identificando seus pais, levantando um histórico sobre sua gestação, nascimento, desenvolvimento psicomotor, emocional, cognitivo, sono, alimentação, doenças, comportamento atual e sociabilidade; sexualidade, religião, ambiente familiar, relacionamento do pai com a criança, relacionamento da mãe com a criança, sobre os irmãos e o relacionamento entre irmãos. Escolaridade e a vida escolar, materiais que tem em casa / adaptação à escola. No caso de crianças já alfabetizadas, como foi a alfabetização, repetências, evasão. Quais as expectativas da família em relação à escola.

Ainda nessa entrevista, informações sobre o sistema familiar, levando em conta situações que criam emaranhamentos sistêmicos, ou seja, levando em conta as três grandes leis sistêmicas, da pertinência, da hierarquia e do equilíbrio. Deve-se levar em conta: pessoas que morreram cedo, abortos, suicídios, assassinatos, calúnias, adoções, doenças, deficiências, entre outros aspectos.

O trabalho com família pode ser desenvolvido a partir de vários momentos, devidamente incluídos no planejamento da escola, com “tempos” reservados para o professor desempenhar esses contatos. A entrevista sistêmica, por exemplo, deve ser realizada no início do ano letivo.

E, durante o ano, outros tipos de contatos podem ser estabelecidos: Entrevista com os pais para discutir sobre a criança, individualmente, partindo de demanda do professor e investigando possíveis demandas dos pais; Reuniões individuais de professores com pais para vários assuntos relativos ao grupo de alunos: sugestões; Reuniões em pequenos grupos de pais com objetivos diversos; Oficinas, ministradas pelo próprio professor, ou outro membro da equipe da escola, envolvendo um tema de interesse dos pais. Esse pode ser um grupo aberto ou também o professor, a partir de investigação anterior, pode convidar os pais de sua sala após perceber determinados temas em comum; Reuniões com Especialistas para discutir temas diversos de interesse dos pais; Reuniões de “auxílio à escola”, onde os pais podem discutir e decidir o que a escola precisa em relação ao espaço físico, materiais, etc.; Reuniões para discutir as festividades do calendário escolar, o que é já habitual.

Como afirma Mariane Franke, a relação da professora, com sua família de origem é muito importante nesse processo. Apenas se ela é positiva, é possível dizer ao aluno e aos pais:“Eu respeito o destino que atua em sua família. Não quero provar nenhuma falha em sua família e dar à sua criança alternativas melhores que sua própria família, mas mostrar um caminho onde ela pode abrir as portas para entrar no mundo, sem ser desleal a vocês.”

A seguir, relato o trabalho com um grupo de pais, que tenho realizado, desde setembro deste ano.

O grupo não tem nenhuma ligação com a escola. Contudo, é um grupo de pais que poderia acontecer dentro de uma escola, coordenado por um professor ou um pedagogo sistêmico, sem o propósito de ser um grupo terapêutico de constelações, mas um grupo psico-pedagógico, onde os pais poderiam abordar suas dificuldades com seus filhos, especialmente.

Este grupo específico, sobre o qual falarei, ocorre em Sertãozinho, cidade bem próxima a Ribeirão Preto. Nós o chamamos, carinhosamente, de “Escola de Pais”. O grupo funciona semanalmente, às quintas feiras, das 20 às 21 horas. São 8 pais (três casais e duas mães, ambas casadas e com filhos).

Enquanto terapeuta do grupo, parto do princípio de que somos parte de uma rede. Rede familiar que envolve gerações, a anterior e a seguinte: pais e filhos, por exemplo. Que, por sua vez, também estão inseridas em uma rede social que envolve diversas gerações que têm suas peculiaridades, particularidades, diversidades e que influenciam os contextos educativo e social. Parto do princípio freireano de que somos, todos, educadores-educandos.

Os pais são os grandes, o terapeuta é apenas um facilitador, um mediador, um problematizador. Os pais, como os certos para seus filhos, sabem o que fazer. Têm suas próprias famílias. E, por sua lealdade e fidelidade sistêmicas, repetem destinos, seguem culturas e mapas de família, inconscientemente. “Escola” é um nome que engloba bem o que fazemos lá: aprendemos e ensinamos. Eles também questionam, problematizam, ensinam uns aos outros.

O grupo funciona com uma rodada inicial, onde os pais falam sobre o que desejam. Algumas vezes sobre como foi a semana, sobre a tarefa proposta na semana anterior; é um momento de fala livre. Por vezes, a terapeuta faz intervenções com movimentos sistêmicos, utilizando os princípios do método das constelações familiares de Bert Hellinger. Não fazemos nenhuma grande constelação, mas trabalhamos com a leitura sistêmica daquilo que é dito, com a proposta de “mente expandida”, ou a percepção consciente em relação ao dito pelo outro, a entrada consciente “no campo” do outro.

O grupo tem a proposta de duração de três meses.

Relatarei, em seguida, algumas das tarefas realizadas pelo grupo:

Observar e pensar em que situações seus filhos tiram você do sério, lhe tiram de seu centro.

Em que situações eles lhe estressam e lhe levam ao seu limite.

Na semana seguinte, os pais devolvem a tarefa, conversamos e, se necessário, leituras e movimentos sistêmicos são realizados. Sempre apontando sua relação com seus pensamentos, seus sentimentos, suas próprias ações e sua relação com sua infância e sua família de origem.

Esta tarefa veio em função da dificuldade de um pai em respeitar seu próprio pai. Com um movimento sistêmico, o pai foi colocado diante de seu próprio pai. Ele criticava, julgava e condenava o pai. E não conseguiu dar nenhum passo em relação ao respeito por seu pai. A tarefa para todo o grupo foi imaginar os pais e, diante deles, apenas dizer: “Eu desisto. Eu me retiro disso. Eu não consegui mudar vocês e eu desisto”.

Outra tarefa interessante foi: Observar e refletir: em que meus filhos são semelhantes a mim?

E, durante a sessão, conversamos sobre as lealdades sistêmicas, as Leis Sistêmicas e os preços que pagamos pelo amor cego em relação a nossa família de origem.

Outra tarefa: A pizza enquanto a roda da vida. Cada pai fez sua própria pizza, respondendo qual o grau de satisfação, qual a sua nota para cada área da vida. Posteriormente, teria que estabelecer metas para cada área, no intuito de chegar ao máximo de satisfação. Depois, deveria fazer a pizza pensando em cada um de seus filhos. E, depois, ainda, dar ao filho para que cada um preenchesse sua própria pizza.

Foi uma discussão interessante, pois percebemos o grau de satisfação / insatisfação em relação ao casamento, à vida social, à família de origem, a si próprio, ao trabalho, à vida financeira, à espiritualidade; ao lazer, à saúde, ao desenvolvimento pessoal. Percebemos as projeções dos pais em relação aos filhos, às diferenças de percepção entre ambos (pais e filhos). E a possibilidade de aprofundamento na relação familiar.

O trabalho com fotografias: Fotos dos pais, separadas por setênios dos filhos. Fotos dos filhos com os pais ou sem eles.

Também observamos as semelhanças e diferenças, as lealdades, os sofrimentos e a presença/ausência dos pais na vida dos filhos, entre outros aspectos trazidos pelo grupo.

Em função das dificuldades que temos, enquanto escola, de trazer os pais, penso que a pergunta central de muitos professores tem sido:

Como “atrair” os pais para a escola?

Minha resposta:

É começando e insistindo que se constroem hábitos diferentes e outras realidades, portanto, comecemos.

 

Tema trabalhado no I Congresso Brasileiro de Pedagogia e Educação Sistêmica, organizado pela Conexão Sistêmica de São Paulo, em novembro de 2014.

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Ana Lucia Braga

Consteladora Sistêmica

Coordenadora Espaço Terapêutico Isis
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