CONSTELAÇÃO FAMILIAR E A JUSTIÇA RESTAURATIVA

Escrito por Ana Lucia Braga

Seg, 04 de Julho de 2011 11:15h.

 

História sobre Constelação Sistêmica: Eu não me libero.

Era uma mulher que tinha dificuldades no relacionamento afetivo com o marido. Era seu primeiro marido, mas havia mantido um relacionamento com um primeiro namorado, de quem fez um aborto.

Constelou o seu casamento. Na constelação pôde-se observar o quanto ela estava indisponível para o marido, que também tivera relacionamentos anteriores. Este havia sido casado por duas vezes, tendo alguns filhos vivos e outros abortos espontâneos e provocados em ambos os casamentos. Ambos, de fato, mostravam-se indisponíveis um para o outro. Ela olhando para sua família de origem, e ele olhando para a família anterior, com as parceiras anteriores e os filhos.

O casal estava para separar-se e, no entanto, durante os cinco últimos anos permaneceu junto.

Ao longo desses anos, a mulher constelou sua família de origem e o homem fez uma constelação, onde pôde olhar para seus pais em uma dinâmica de brigas e confusões por conta de herança.

O relacionamento melhorou a cada constelação realizada, uma ou duas por ano. Foram constelados a família de origem da mulher, por parte de pai e de mãe, o seu relacionamento com o marido, dois abortos realizados por ela – um no primeiro relacionamento e outro durante o casamento; o relacionamento da mulher com a família atual do marido, incluindo as primeiras mulheres e os filhos dele. O marido constelou uma vez, e nesta constelação foi configurada sua família de origem.

No entanto, a mulher sentia-se ainda profundamente culpada, não conseguia se liberar para viver uma relação de amor com o marido, continuava brigando e com dificuldades relacionadas à sexualidade.

No último ano, ela trouxe o tema do casamento novamente. Sua constelação foi configurada com os movimentos do espírito, onde os representantes praticamente não verbalizavam sobre aquilo que vivenciavam dentro do campo. A terapeuta percebeu que algo realmente continuava fora do lugar para esta pessoa. Não importavam as pessoas da família presentes demonstrando apoiar o movimento para frente da filha. A própria filha não se liberava para seguir rumo ao futuro, especialmente a um futuro com o marido. Foram inseridos os dois bebês, com os dois pais.

Observou-se que os bebês queriam que a mãe seguisse sua vida, sem pesos. Os pesos já haviam sido carregados, os preços pareciam já ter sido pagos. No entanto, a mulher não conseguia se liberar, não conseguia se perdoar. Olhava chorosa para os filhos abortados, com culpa e medo de sair dali, sem dar ou ter sossego. Outros movimentos ocorreram, porém ela não se liberou. E a constelação ficou assim, como algo sem solução.

Hellinger tratou deste tema em muitos de seus livros. Fica, realmente, um desejo de seguir, na morte, as crianças abortadas. Este é um conflito vivido por muitas mulheres. Como não morre, carrega o sentimento de culpa e a impossibilidade de ter uma vida boa, com paz e sossego internos.

Algum tempo após esta constelação, a mulher começou a mudar o padrão, tanto com o marido quanto consigo mesma. Relatou ter conseguido grandes avanços na vida afetiva e sexual com o marido, sentia-se mais livre, mudou outras situações em sua vida, para melhor.

Um tema proposto para a reflexão com esta mulher foi a justiça restaurativa. Este tipo de justiça ocorre hoje ainda em curta escala no Brasil, em maior em outras partes do mundo.

A justiça restaurativa opõe-se a justiça retributiva, punitiva, e visa a reparação de danos causados à vítima. Visa, ainda, a prestação de serviços à comunidade e a solução de problemas causados, tanto à vítima, quanto à família ou à comunidade. Propõe a reintegração da vítima e a ressocialização do agressor.

Em alguns sistemas familiares e em algumas constelações, mesmo sendo observado um movimento reconciliatório, todas as evidências apontando para a solução e a liberdade, o que se percebe é que a pessoa não consegue se liberar. Continua presa a padrões de sofrimento, a repetições quase compulsivas de dores e mágoas, de azedumes da alma, envolvendo a si própria e a outros.

Por conta dos emaranhamentos estarem relacionados a padrões familiares, pode ser que o“crime” cometido seja realmente grave. Há ainda as hipóteses de que a pessoa tenha se“emaranhado” consigo própria, em vidas passadas.

Pensando no inconsciente coletivo e nas possíveis identificações e repetições de padrões de outrem, sem que sejam efetivamente familiares, torna-se dispensável essa discussão, que restringiria, em meu modo de ver, o trabalho com as constelações sistêmicas. De qualquer modo, o passado é passado e o que ocorre é que as pessoas não o deixam passar em inúmeras situações que implicam sofrimentos. Restaurar, reparar, aprender, são conceitos que dificilmente são aplicados. Repete-se, quando o desafio é fazer diferente.

Há situações em que, percebe-se, existe uma necessidade de compensação. Muitas outras, no entanto, representam o amor infantil, tentando pagar preços que não cabem a pessoas de gerações posteriores àquela onde o “crime” ocorreu. Há também aquelas situações que envolvem uma responsabilidade e uma culpa pessoal. Cabem, em todas, o questionamento: até quando vai a pena, o pagamento, a expiação. E estas perguntas são possivelmente respondidas apenas pelo campo sistêmico e pela pessoa que carrega a carga e paga o preço com o sofrimento. E cabe a esta pessoa também sua liberação, especialmente quando, após uma constelação e outras buscas, não se consegue alcançar a paz interna. Sabemos ainda que, quando não se libera, não se libera o outro também. Independente desse outro ter consciência dos laços, o aprisionamento é certo.

Aqui, a justiça restaurativa é vista como uma possibilidade de tomar responsabilidade, de reconciliação com sua família, com o(s) outro(s) envolvido(s) e, acima de tudo, consigo próprio.

Deve visar a reparação máxima do “crime” cometido, envolvendo a vítima e o agressor; a reintegração da vítima e do infrator. Deve se pautar como um modelo de solução de conflitos, firmado certamente nos valores familiares, mas também em valores espirituais, que envolvem mais que a pena máxima, mais que o retributivo, mais que a culpa e a punição, mas uma pena que seja passível de restaurar o que for possível ser reparado, restabelecer a qualidade de vida emocional e espiritual. Lidar com os efeitos do “crime” e com as consequências futuras é um dos objetivos da justiça restaurativa comum, do sistema judiciário. Esta também visa os efeitos dos atos cometidos pela pessoa, incluindo os outros envolvidos, e o futuro. Aqui pode-se considerar o mesmo, e quanto ao futuro, que seja aquele onde possa ser possível fazer diferente. Um futuro onde, de fato, possa se liberar, se perdoar e seguir em frente. Onde se possa permitir que o passado finalmente passe.

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Ana Lucia Braga

Consteladora Sistêmica

Coordenadora Espaço Terapêutico Isis
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